sábado, 5 de setembro de 2020

Espelho, espelho meu.




Espelho, espelho meu. 

texto: Isac Machado 
Imagem: Jeff Christensen


Não basta eu ter comida. É preciso que o outro não tenha, para eu parecer generoso quando compartilho minhas sobras. 

Não basta que eu tenha liberdade. É preciso que o outro não tenha, para que ao lhe permitir qualquer resquício de liberdade, eu seja visto como um sujeito bondoso, um cara legal. 

Não basta eu ser rico. É preciso que o outro seja pobre o bastante para depender de mim a sua sobrevivência. 

Não basta eu acreditar que vou para um céu. É preciso fazer o outro pensar que vai para um inferno, mas que eu posso, generoso que sou, levá-lo comigo para o meu céu, desde que ele siga o meu manual de instruções. 

Não basta eu ser um macho da espécie, livre, independente, com vontades próprias e poder divino de mandatário concedido por um deus também macho. É preciso que a fêmea da espécie não tenha vontades próprias, nem liberdade, nem independência, e que acredite numa exigência divina de um deus macho de que seja submissa, para que eu, macho da espécie, mandatário da raça, seja visto como um MARIDO LEGAL porque não bato nela, não xingo, não humilho; tudo isso desde que ela não me confronte, que abra mão de suas vontades, que jogue fora sua identidade e JAMAIS me negue sexo, e que quando eu me tornar impossibilitado de sexar, ela compreenda e não me cobre nada. 

É por isso que a instituição igreja não prega JUSTIÇA SOCIAL, IGUALDADE, e sim ASSISTENCIALISMO e SUBMISSÃO. 

Com justiça social, eu e o outro temos, eu e o outro somos, eu e o outro podemos, eu e o outro sabemos/conhecemos, ninguém deve nada a ninguém. Assim não há controle, e sim negociação, diálogo, e isso dá trabalho. Assim é impossível ser generoso. O outro precisa depender de mim, de minhas benesses, de minhas fofezas. E eu preciso acreditar que sou um cara muito legal! Eu nem mato quem pensa diferente de mim. 

Eu até tive um ancestral preto e uma ancestrala indígena. Eu até tive um amigo homossexual lá na adolescência. Eu nem digo "bem feito" para cada templo de Candomblé ou Umbanda destruído. Eu nem bato na minha companheira. 

"Espelho, espelho meu, haverá neste planeta alguém mais legal, mais justo, mais fofo, mais cristão, mais generoso que eu?"

5 comentários:

Patrícia do Prado disse...

Caraca! Política bozo explícita! Tenho crenças, não frequento templos, exceto minha consciência. Vou compartilhar teu texto!

Marco disse...

Ótimo texto....

guacoloco disse...

Obrigado Markuz e Patricia!

Sylvio Neto disse...

Bom demais ler um texto cortado em postas e exposto à mesa
Hey!
Desçam esse texto da cruz e o espalhem semente
Hey! Izac
Este socão tá doendo viu...
Bom demais entrar na porrada assim

Adorei
Sylvio Neto

Adriano Brisola disse...

Que texto em !
Acredito que seja um dos melhore que já li aqui no blog.
Parabéns , falou nossa realidade nua e crua, triste senário que vive nosso Brasil.