sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Será que de fato radicalizamos?

 Será que de fato radicalizamos? 
Kaike Netto Barreto 30/01/2021


No século passado, tivemos na igreja três momentos ímpares que nos convidaram a uma radicalização do nosso jeito de ser e agir. O Concílio Ecumênico Vaticano II, A II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano acontecida em Medellín e a III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Os três têm em comum o convite à radicalização preferencial pelos pobres. A grande pergunta que nos assombra depois de passadas mais de três décadas é: Será que de fato radicalizamos? Dentro da minha pouca experiência de fé e da quase inexistente experiência teológica, eu, um simples leitor e curioso pesquisador, me arrisco a falar um pouco sobre esse tema tão abafado pela elite conservadora, e tão perturbador àqueles que buscam de forma assídua ou fortuita viver esse jeito novo de ser igreja. Essa reflexão nasce duma fala do Papa Francisco que diz assim: “Quem não segue o Concílio está fora da igreja”. Concordo com Francisco! Quem nega esse Impulso Divino, ou melhor, estes três impulsos Divinos, está fora da igreja. Fora da igreja de Francisco de Roma e de Assis, Fora da igreja de Hélder, Casaldáliga, Arns, dentre tantos outros companheiros e companheiras que lutaram e lutam para que a verdadeira igreja de Jesus não ficasse tolhida em poucos cantos dos templos espalhados pelo mundo a fora. Quem nega o Concílio está fora, sobretudo, da igreja de Jesus. No Vaticano II a igreja foi convidada a optar preferencialmente pelos pobres, mas mesmo assim foi uma coisa frívola porque infelizmente a maioria dos presentes não entendeu o verdadeiro sentido da coisa. Percebia-se que era preciso adaptar as ideias conciliares à realidade da América Latina que, inclusive, é bem diferente da realidade europeia. Então Deus em sua suprema sabedoria sopra novamente sobre a igreja e acontece Medellín, dez anos mais tarde, Puebla e nesses os ideais conciliares ganham força e os pobres não se tornam mais opção, mas uma radicalização. Eis o desafio. Passadas algumas décadas, nós, nos dias de hoje paramos para analisar toda a trajetória libertadora que começou no Vaticano II e nos perguntamos: o que aconteceu? Será que deixamos essa chama se apagar? Tenho certeza que não! Lá no fundo essa chama ainda fumega, ainda mais nestes tempos felizes do papado de Francisco que a todo o momento traz para o cotidiano da igreja os ideais conciliares. A pequena parcela da igreja que assumiu o compromisso dos três acontecimentos supracitados foi perseguida e, em muitos casos silenciada. Infelizmente a igreja viveu tempos de trevas, houve muita opressão até que o sol voltasse a brilhar. Voltando ao cerne desta reflexão, nos perguntamos: Será que de fato radicalizamos? Penso que muitos de nós não. Hoje nas nossas comunidades - do campo conservador ou do campo mais progressista - vemos muito se falar de pobre, dar uma ajudinha aqui e outra ali, e isso é bom, claro! Mas não é suficiente. Radicalizar pelos pobres e com os pobres é mostrar para eles, através da partilha de experiências e da palavra divina que aquela realidade não está correta, não é digna e vai contra a proposta evangélica e, a partir desse momento unir-se a eles em luta para mudar esse quadro infeliz. A igreja precisa estar nas ruas, nas praças, nas repartições públicas rezando e lutando. A igreja precisa ser a voz dos calados e força dos enfraquecidos pelo sistema de morte uma vez instaurado no Brasil. Como diz o querido Dom Sérgio Castriani, precisamos “sair da sacristia”. Enquanto não entendermos que precisamos da ajuda do Pai Nosso para lutar pelo Pão Nosso, nada mudará. Ninguém vive só de Pai, muito menos só de Pão. Os dois se relacionam plenamente para assim libertar o oprimido. Não mudaremos este quadro enquanto ficarmos falando de ajudar o pobre e gastar uma fortuna no “trono” do presidente da celebração ou até mesmo gastar uma fortuna comprando um cálice cravejado de esmeraldas. Sim, Deus merece o melhor, mas eu tenho certeza que o melhor para Deus é ver que aquela mãe não dorme mais com seu filho debaixo da ponte e não passa mais fome. Que nos tempos que virão, possamos nós enquanto pessoas que carregam no peito a tatuagem do amor de Deus, cuidar agora do essencial e o supérfluo deixar pra quando der. Que com fé, esperança e luta sejamos nós instrumentos de Deus na vida dos tantos irmãos sofredores e que um dia, possamos afirmar: De fato, radicalizamos!