terça-feira, 21 de julho de 2020

Memórias de Traição e Dor (De Um Dente)



CONTO MÍNIMO de Siyvio Neto 
Memórias de Traição e Dor (De Um Dente) 


Tenho muitas lágrimas a dar a minha face, depois da grande perda de meu amor e elas brotam por qualquer latido dos cães de minha rua - e são tantos cães e tanto latido que eu acho que desenvolvo uma espécie de TOC - perdi a vontade de quase tudo e não me sinto a vontade com a vida e a pseudo liberdade de estar vivo 

As lágrimas rolam na face escura e em cada recôndito de meu universo corpo e em cada universo de minha recôndita cabeça memória - sinto dor e dor e dor 
Estranho pensar e falar assim, quando se trata, de perder parte da minha história, História? 
Em meio a esta idílica solidão, pau de dar em doido, me surge uma dor de dente - ao dente - precisa, concisa, única, onisciente e onipresente dor, para somar a lembrança e dor, de meu abortado amor 

Uma adaga enfiada no quarto dente, antes do canino, me faz sangrar em dobro, pois a outra, foi tal estaca, cravada em meu coração. E de dois em dois analgésicos, durante o dia, cheguei ao fim do blister. De tantos, "um instante", "um minuto", um talvez! Ressequei o canto da boca e pareço um pancadão de boca torta, boca morta, mas não sem dor, de dente, ...Da alma. Dor de dor de dor. 

Ainda há pouco continuava metido, enfiado, comprometido, com os goles do penúltimo litro, dos cinco, de cachaça mineira que havia comprado - no coquetel com as duas últimas pílulas de analgésico, a tentar a alquimia de um veneno – mas tal barata resistente, continua a doer-me o dente e pulsa descompassado o coração, tal um comunista moreno, que acredita em assombração 

Tentei ler um livro de poemas, um livro de poemas nunca é um livro qualquer, pode ser qualquer um, menos um qualquer 
Alvarez de Azevedo 
Não consigo! Não consigo me concentrar, já havia tentado ouvir música. 
Quem sabe um filme? 
Sim, vou assistir Batman 
Pois sim, o Batman, com dor é melhor de se ver, para assim, saber, com o que lida o Coringa. 
De repente, sem mais e sem menos... 
Sem mais nem menos - depois de tanta química e bagaça líquida a dor me some: "sabe aquela coisa que tu pensa, pra onde foi?" 
Ah! Que bom seria viver a vida, sem a dor do peito, que mancha com lágrimas a pele envelhecida 
Ah! Que bom é sentir a vida, sem a dor de dente - Um viva a cachaça, senhora alfa e ômega que me faz dormente. 
Ah! Que boa é a vida - inda que com o peito em dor 
E que melhor é ela, sem a dor do dente, que nem a maldade do coringa salva 
Viva a cachaça e os analgésicos 
E eu, ainda quase descubro para onde estão indo as paredes e o teto da sala 
Ouço abelhas e, penso sobre os por quês, da distância entre a tevê e meu mundo de menino 
Viva a morte da dor e minha grande descoberta - Após muitas dores, pesar e pensar, passo a crer que as lágrimas vêm do lugar para onde as abelhas seguem em êxodo: 

"Não, não e não...É claro que não foi o promotor Harvey Dent, que me curou a dor de dente, foi a bagaça que a jogou pra frente"

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